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sábado, 14 de agosto de 2010

Eleição

Pode-se inferir o regime político de um país pela legitimidade do seu processo eleitoral: simples ficção legal nas ditaduras, ou processo legítimo de escolha dos dirigentes nas verdadeiras democracias.
Eleição é o processo mediante o qual um grupo social escolhe seus governantes ou representantes por meio do voto. O exercício do voto é um dos direitos fundamentais do cidadão. É por meio dele que o indivíduo participa do poder público e manifesta sua vontade.

Origens.
O voto teve origem na escolha dos chefes militares da antiguidade, por meio da aclamação dos guerreiros. Como esses chefes passaram a governar também em tempo de paz, surgiu a necessidade de organizar a escolha. As referências mais antigas sobre o processo eleitoral remontam à Grécia do século IX a.C., com Licurgo, o lendário legislador de Esparta, que definiu as regras para escolha da assembléia, e ao século VI a.C., com Sólon, legislador ateniense que, mediante a expressão da vontade popular, conseguiu um maior equilíbrio do poder, antes exercido quase com exclusividade pela aristocracia. Na mesma época, em Roma, a reforma de Sérvio Túlio favoreceu a formação de um corpo eleitoral e de processos de votação. Com a adoção da monarquia autocrática de modelo oriental, as eleições caíram em desuso.
Na Idade Média, as monarquias germânicas eram teoricamente eletivas, como a monarquia visigótica, mas as eleições medievais foram utilizadas sobretudo pela igreja, embora com eleitorado muito restrito. O imperador alemão e certos governantes italianos também eram eleitos. No século XIII surgiu na Inglaterra o Parlamento e, muito mais tarde, sob a influência da revolução francesa, as eleições parlamentares passaram a ser regulamentadas.
Modernamente, as eleições estão ligadas ao sistema representativo, utilizadas para preenchimento de cargos legislativos e executivos. A primeira legislação completa em matéria eleitoral foi a legislação preparatória da convocação dos Estados Gerais na França, de 1788. Elaborada por uma assembléia de notáveis, dispunha sobre os requisitos para votar e ser votado, composição dos poderes do estado, número de deputados a eleger e forma da convocação.

Voto no Brasil.
Ao tempo da colônia, a eleição restringia-se aos municípios, de acordo com a tradição ibérica vinculada às raízes romanas. Desde a legislação foraleira, depois compendiada nas Ordenações do Reino (afonsinas, manuelinas e filipinas), uma parcela qualificada do povo participava do governo, deliberava sobre os assuntos da comunidade e julgava as causas de competência dos conselhos.
As Ordenações Afonsinas unificaram os municípios num tipo legal único e os "homens bons" integrantes dos conselhos foram transformados em vereadores. Os antigos alvazis, ou alcaides, constituíram-se em juízes ordinários, eleitos pelos "homens bons" e confirmados pelo rei. As Ordenações Filipinas aludem, na caracterização do corpo eleitoral, aos "homens bons" e ao "povo", o que não significa a extensão do voto a todos os munícipes. Eram votantes as pessoas gradas, ou os que já houvessem exercido cargos na administração local, sem que se possa determinar, dada a ambigüidade dos textos, o exato conteúdo da expressão. Supõe-se, entretanto, que o "homem bom", pelo menos no Brasil, qualificava-se pela linhagem, propriedade e participação na burocracia civil e militar. Com tais qualidades, era pequeno o círculo dos eleitores e elegíveis.
A primeira eleição no Brasil sob moldes modernos, inspirados pelo liberalismo, foi realizada para escolha dos deputados às cortes constituintes de Lisboa, em 1821. O processo obedeceu ao sistema da constituição espanhola de 1812 (chamada Constituição de Cádiz), provisoriamente adotada em Portugal, que excluía do corpo de eleitores os que tivessem renda insignificante (mendigos e empregados). Nas eleições do período imperial, antes de 1881, por um acordo dos partidos, os analfabetos puderam participar dos pleitos.

Natureza jurídica do voto.
A conceituação jurídica de voto depende das normas constitucionais que o definam, em cada país. Há várias interpretações sobre a natureza jurídica do voto: expressão de uma fração infinitesimal da soberania do estado; direito natural que compete ao cidadão como membro da coletividade estatal; direito político, a ser exercitado de acordo com a lei positiva; e dever político que corresponde à prática de uma função que emana do estado.
O preenchimento das condições ou requisitos, exigidos pela lei, para que o indivíduo possa exercer o direito de voto e assim participar do poder de sufrágio, corresponde à disposição da chamada capacidade eleitoral. Essa capacidade, também denominada franquia eleitoral, tem evoluído historicamente tanto no conceito quanto na extensão.

Sufrágio universal.
O progresso do direito eleitoral ocorreu sempre na direção do alargamento cada vez maior da franquia eleitoral, o que corresponde ao acréscimo permanente do número de eleitores dentro do grupo social, independentemente do aumento da população. O objetivo final desse alargamento da capacidade eleitoral é atingir o sufrágio universal, cujas principais conquistas foram a abolição do voto censitário e a extensão do direito de voto às mulheres e aos analfabetos.

Voto censitário.
Baseado nos rendimentos pessoais, exigia comprovação de ingressos para o reconhecimento da capacidade eleitoral, o que afastava das urnas setores consideráveis de classes economicamente menos expressivas. Essa forma de voto, generalizada no princípio do século XIX, foi sendo abandonada e só voltou a aparecer excepcionalmente, ou de forma indireta.

Voto feminino.
A aceitação do voto feminino foi outra grande vitória do direito eleitoral, que só generalizou no século XX, com o grande movimento pela liberação social da mulher. Surgido nos Estados Unidos e no Reino Unido desde o início do século XIX, o movimento em favor do voto para as mulheres só teve êxito muito depois: em 1893 na Nova Zelândia, em 1902 na Austrália, em 1906 na Finlândia e em 1913 na Noruega. Nos Estados Unidos, a participação das mulheres nas campanhas pela abolição da escravatura uniu os movimentos pelo direito de voto para as mulheres e para os negros.
Em 1848 e 1850 organizaram-se convenções sufragistas num movimento que se ampliou ainda mais com a fundação de organizações como a National Woman Suffrage Association (Associação Nacional para o Sufrágio Feminino) e a American Woman Suffrage Association (Associação Americana para o Sufrágio Feminino), unificadas em 1890 sob o nome de National American Woman Suffrage Association (Associação Nacional Americana para o Sufrágio Feminino), e o National Woman's Party (Partido Nacional Feminino). Mesmo assim, até a primeira guerra mundial, apenas 15 estados americanos tinham reconhecido o sufrágio feminino. Só em 1920, quando 36 estados acataram a proibição da discriminação de sexo no direito de voto, o sufrágio feminino ficou automaticamente estabelecido.
No Reino Unido, desde as primeiras décadas do século XIX, iniciou-se a luta pelo direito de voto feminino, apoiada por políticos como Benjamin Disraeli (Lord Beaconsfield) e John Stuart Mill, com a participação das militantes feministas. Depois de muitos comícios e manifestações violentas, foi aprovada uma lei, em 1907, que concedia o direito de voto a certas categorias de mulheres. O voto feminino sem restrições só foi concedido pela lei de 2 de junho de 1928. De 1914 e 1938 foi adotado por 28 países, aos quais somaram-se grande número de outros após a segunda guerra mundial.
No Brasil, o voto feminino só foi reconhecido, no sistema federal, depois da revolução de 1930, com a aprovação do código eleitoral de 1933. Na constituinte de 1890-1891, o voto feminino chegou a ser aprovado em primeira discussão, mas a intervenção dos positivistas pôs abaixo a proposição, sob a alegação de que a atividade política não era honrosa para a mulher. O primeiro estado brasileiro a adotar o voto feminino foi o Rio Grande do Norte, no regime anterior à revolução de 1930.

Voto do analfabeto.
A defesa do direito de voto para os que não sabem ler nem escrever baseia-se no argumento de que, na sociedade moderna, o critério da escolha eleitoral não se funda no saber literário, mas na informação, cuja transmissão pelos meios de comunicação de massa, independe de leitura. A recusa ao voto do analfabeto corresponderia assim a uma forma disfarçada e indireta de voto censitário.

Direito de voto e justiça eleitoral.
O ato de votar corresponde à efetivação da capacidade eleitoral, mas esta, por si só, não autoriza o exercício do voto. A constituição brasileira de 1988 estipula que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos; facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos; e vedado aos estrangeiros e conscritos, durante o período de serviço militar obrigatório.

Alistamento é a inscrição do eleitor nos registros eleitorais.
No Brasil, como em outros países, os procedimentos relativos ao alistamento dos eleitores, supervisão dos pleitos, apuração das votações, julgamento dos recursos interpostos e proclamação dos resultados é da competência de uma justiça especializada, a justiça eleitoral. Todo o processo eleitoral brasileiro é federal, embora não o tenha sido sempre.

Espécie de voto.
O voto é exercício da capacidade eleitoral e corresponde, nas democracias, à participação do indivíduo no consenso do grupo. Pode ser a descoberto ou secreto, singular ou plural, direto ou indireto, majoritário ou proporcional.

Voto secreto.
A instituição do voto secreto nos pleitos federais no Brasil só entrou em vigor a partir de 1932, com o código eleitoral, embora fosse reivindicação antiga e constasse da legislação dos estados de São Paulo e Minas Gerais, pouco antes da revogação da constituição de 1891. Na Europa continental é generalizado o uso de urnas fechadas com uma única abertura para os boletins de voto, que só podem ser abertas para contagem depois de terminada a votação. Nos Estados Unidos, são cada vez mais usados cartões perfurados e máquinas de votar, que permitem maior rapidez na apuração dos resultados eleitorais.

Voto plural.
O voto plural pode existir em mais de uma modalidade. Por exemplo, no sistema eleitoral da Primeira República, nas eleições para deputado federal, o eleitor tinha direito a tantos votos quantos fossem os candidatos apresentados por seu distrito e os eleitores especiais dispunham de um número de votos correspondente ao de filhos, ou dependentes.

Voto indireto.
O voto indireto é o que o eleitor primário confere a outro eleitor, que fica incumbido da eleição final. No Brasil, o sistema de voto indireto, copiado da constituição espanhola de 1812, foi adotado por José Bonifácio, quando de suas instruções normativas para a eleição dos deputados brasileiros às cortes de Lisboa. O sistema indireto prevaleceu, no império, até 1881, quando o voto direto foi estabelecido pelo conselheiro José Antônio Saraiva, presidente do conselho, na lei que tomou seu nome. Na república sempre foi adotado o voto direto, exceto a partir de 1964, quando o governo militar adotou o voto indireto para os cargos executivos. A constituição de 1988 restabeleceu o voto direto para esses cargos.

Voto majoritário.
Com o voto majoritário, elege-se o candidato que obtiver maior número de sufrágios que seu competidor, ou competidores. Em alguns países, a legislação eleitoral exige a maioria absoluta dos sufrágios -- metade mais um -- expressos na circunscrição eleitoral. O sistema majoritário pode ser segundo a maioria relativa, no qual é eleito o candidato que obtiver maior número de sufrágios. É o que está tradicionalmente em vigor no Reino Unido, no quadro do escrutínio uninominal. No Brasil, a constituição de 1988 estabelece um segundo turno eleitoral para os cargos executivos que não forem preenchidos por maioria absoluta no primeiro turno. Concorrem os dois candidatos mais votados no primeiro turno.

Voto proporcional.
O voto de representação proporcional começou a ser cogitado em meados do século XIX no Reino Unido, onde, no entanto, nunca teve vigência. Funda-se no conceito segundo o qual o sistema majoritário pode deixar sem representação minorias consideráveis, às vezes numericamente próximas da maioria vitoriosa. O voto proporcional se aplica pelo sistema de quocientes, obtidos pela divisão do número de votantes pelo de postos a serem preenchidos. Todo candidato que atingir tal quociente estará eleito. No Brasil, o voto proporcional é preconizado desde o advento da república. Vários juristas o defenderam, depois disso, mas tal espécie de voto só encontrou aplicação na lei eleitoral de 1933.

Elegibilidade.
Enquanto a capacidade eleitoral ativa assegura ao cidadão o direito de voto, a capacidade eleitoral passiva garante o direito de ser votado. As principais limitações à capacidade eleitoral passiva são as inelegibilidades e as incompatibilidades, estabelecidas por lei. As inelegibilidades decorrem de circunstâncias transitórias ou não, como insuficiência de idade e analfabetismo. No Brasil, são inelegíveis para o mesmo cargo e para mandato imediatamente consecutivo o presidente da república, governadores e prefeitos. As incompatibilidades não se referem à possibilidade de eleição, mas às condições de exercício do cargo. Assim, a função de deputado é incompatível com a de senador. Os titulares de cargos executivos e os ministros de estado devem desimcompatibilizar-se, isto é, renunciar ao posto que ocupam, para candidatar-se a outros cargos eletivos.

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